Por Gabriel de Lima Jorge Ferreira
A narrativa de que os criptoativos operam em uma "terra sem lei" ou à margem do sistema estatal foi definitivamente superada no biênio 2024-2025. O mercado brasileiro atravessa sua maior transformação jurídica, migrando de um ambiente de experimentação para um cenário de hard law (regulação rígida). Para investidores e empresários do setor, a mensagem é clara: a conformidade não é mais opcional, e o custo da desinformação pode ser a perda patrimonial.
Este artigo resume as três frentes críticas que redefiniram o risco jurídico no Brasil: a nova fiscalização da Receita Federal, a regulação prudencial do Banco Central e a jurisprudência punitiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
1. O Cerco Fiscal: A "DeCripto" e o Risco das Multas Confiscatórias
A publicação da Instrução Normativa RFB nº 2.291/2025 instituiu a Declaração de Criptoativos (DeCripto), revogando normas obsoletas e alinhando o Brasil aos padrões internacionais de rastreabilidade. A mudança não é apenas burocrática; ela é punitiva.
Para o investidor, o ponto de atenção máximo é a operação fora das corretoras nacionais (operações em exchanges estrangeiras, carteiras privadas self-custody ou DeFi). Quem movimenta acima de R$ 35.000,00 mensais nestas modalidades é obrigado a reportar todas as transações, incluindo permutas (swaps) e staking.
O risco reside na sanção: a multa por omissão ou inexatidão pode chegar a 3% do valor da transação — não sobre o lucro, mas sobre o volume bruto operado. Em estratégias de alta frequência, isso pode consumir todo o capital do investidor. A regularização fiscal preventiva é a única blindagem contra esse passivo oculto.
2. Segurança e Segregação: A Regra do Banco Central
O Banco Central, através da Resolução BCB nº 520, impôs novas regras para as Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs). O foco central é a segregação patrimonial. Juridicamente, os ativos dos clientes não podem se comunicar com o patrimônio da corretora.
Para o consumidor, isso exige uma mudança de postura: antes de manter custódia em uma plataforma, é vital verificar se ela possui autorização do BCB e se comprova, tecnicamente, que os ativos estão segregados. Em caso de falência da instituição, essa verificação definirá se o investidor terá seus bens restituídos ou se entrará na fila de credores quirografários.
3. A Jurisprudência do STJ: Responsabilidade e Penhora
O Poder Judiciário consolidou entendimentos que afetam diretamente a proteção do patrimônio digital.
Responsabilidade das Exchanges (REsp 2.104.122)
O STJ fixou a tese de que as corretoras respondem objetivamente por fraudes e hacks. Mesmo que o invasor tenha usado login e senha corretos, a falha nos sistemas de segurança e monitoramento gera dever de indenizar. Isso fortalece a posição do consumidor lesado em litígios para recuperação de ativos.
Penhora de Criptoativos (REsp 2.127.038)
Caiu por terra a tese da impenhorabilidade. O STJ autorizou expressamente o envio de ofícios às corretoras para bloquear criptomoedas em processos de execução de dívidas. Ocultar patrimônio em Bitcoin tornou-se uma estratégia ineficaz e juridicamente arriscada.
4. Publicidade e Influenciadores: A Responsabilidade Solidária
O cerco também atingiu a publicidade. Com a atuação rigorosa da CVM e a tramitação do PL 2749/2025, influenciadores digitais que promovem plataformas irregulares ou golpes podem ser responsabilizados solidariamente pelos prejuízos causados aos seus seguidores.
Conclusão
O ecossistema cripto brasileiro amadureceu, e com ele, a complexidade jurídica. Seja para declarar corretamente e evitar multas da Receita, seja para litigar contra falhas de segurança de exchanges ou para estruturar negócios em conformidade com o Banco Central, o amadorismo não tem mais espaço.
A proteção do seu patrimônio digital exige agora uma assessoria jurídica especializada, capaz de navegar entre a tecnologia blockchain e a regulação estatal.
Gabriel de Lima Jorge Ferreira
OAB/SP 479.086
